L

Turma Da Noite

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Grelha de correcção do Exame de Direito Penal I

GRELHA DE CORRECÇÃO[1]
(Questões fundamentais a analisar)[2]

Grupo I

Pergunta n.º 1

Nesta questão estava desde logo em causa um problema de interpretação, em função do princípio da legalidade, no tocante aos corolários de lei certa e de lei estrita (artigo 29.º, n.os 1 e 3, da Constituição da República Portuguesa – CRP). Sendo certo que todos os normativos apresentados constituem normas incriminadoras, seria essencial referir a interpretação admitida à luz do princípio da legalidade e as limitações que decorrem da aplicação prática desse princípio, nomeadamente a proibição da integração de lacunas por analogia (artigo 1.º, n.º 3). Assim:
- Quanto ao crime p. e p. no artigo 153.º, o bem jurídico tutelado é a liberdade de decisão e de acção[3], exigindo o tipo, designadamente, que o agente ameace outra pessoa da prática de crime contra um dos bens jurídicos nele identificados. No caso, Bernardo não dirigiu a António ou a Carlos quaisquer palavras, escritas ou orais, das quais se possa retirar a “promessa” de um mal futuro contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de valor elevado. O facto de Carlos temer que, ao não aceitar a indicação de Bernardo, este pudesse “dificultar investimentos futuros da sua empresa no concelho”, embora possa evidenciar medo ou inquietação da sua parte, não conduz à subsunção da conduta de Bernardo no tipo em análise, porquanto faltam outros elementos do tipo, nomeadamente a referida ameaça da prática de crime.
- No que respeita ao crime p. e p. no artigo 154.º, o bem jurídico tutelado também é a liberdade de decisão e de acção[4]. Face à descrição típica, é evidente que Bernardo não utilizou violência para conseguir que António lhe prometesse ou pagasse os 3% do valor da obra ou para que Carlos adjudicasse a obra a António, na medida em que não recorreu a qualquer espécie de intervenção física para alcançar os seus objectivos. Mas também não os ameaçou com mal importante, isto é, com uma consequência negativa, com um dano, pessoal ou patrimonial, caso não agissem como ele pretendia. Pelos motivos expostos, a conduta de Bernardo não pode ser subsumida no tipo em referência.
- Relativamente ao crime p. e p. no artigo 223.º, o bem jurídico tutelado é a liberdade de disposição patrimonial[5]. Para que a conduta de Bernardo pudesse ser subsumida neste tipo seria necessário que Bernardo constrangesse António e ou Carlos, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, no sentido explicado no texto supra, a disposições patrimoniais que lhes acarretassem prejuízos. Mesmo considerando que a empreitada adjudicada por Carlos a António implicou disposição patrimonial em benefício de Bernardo, enquanto benficiário indirecto (ao receber os 3% do valor total da obra), nada nos diz que tenha havido prejuízos patrimoniais, nem, muito menos, que a contratação realizada por intermédio dos bons ofícios do fiscal de obras da Câmara tenha sido alcançada através de qualquer forma de violência ou ameaça com mal importante, como exige o n.º 1 do artigo 222.º. Também aqui não releva conjecturar se Carlos teria cedido à influência de Bernardo por fundados receios de represálias económicas sobre a sua empresa, pois o preenchimento do tipo não se basta com meros receios e a verdade é que não resulta do enunciado da hipótese que tenha havido qualquer tipo de ameaça[6].
- Quanto ao crime p. e p. no artigo 372.º, o bem jurídico tutelado é a autonomia intencional do Estado[7]. Trata-se de um crime específico, uma vez que só pode ser cometido por funcionário. Para efeitos da lei penal, Bernardo, que desempenhava o cargo de fiscal de obras em uma Câmara Municipal, é um funcionário, nos termos do artigo 386.º. Segundo o direito administrativo, funcionário é o sujeito de uma relação jurídica de emprego público. Mas ao direito penal, que é o ramo do direito de que aqui se trata, não interessa o formalismo do vínculo do funcionário com a Administração. Em vez disso, importa o exercício efectivo de funções públicas civis de qualquer natureza. Assim, para efeitos penais, o conceito de funcionário é bastante amplo, pois é concebido em função da delimitação dos possíveis sujeitos activos de crimes cometidos no exercício de funções públicas, abrangendo todo o tipo de funções, desde administrativas a jurisdicionais, ou outras[8]. É indiscutível, portanto, que Bernardo é funcionário, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 386.º, dado ter uma qualidade funcional-subjectiva, ou seja, uma ligação a uma pessoa colectiva de direito público[9], no caso uma autarquia local. Para além disso, é evidente que Bernardo, aceitou, por si e para si, sem que lhe fosse devida, primeiro promessa de vantagem e, depois, vantagem patrimonial. A questão seguinte é a de saber se Bernardo praticou ou não actos contrários aos deveres do cargo, como o tipo exige. Naturalmente, a violação dos deveres do cargo compreende a ultrapassagem das competências que legalmente estão atribuídas ao funcionário. Mas também se admite que tal violação abranja actividades que se encontram numa mera relação funcional imediata com o cargo, o que acontecerá sempre que a realização do acto subornado couber nos poderes de facto normalmente exercidos pelo funcionário[10]. No caso, Bernardo promoveu a intermediação junto de um particular, Carlos, para efeitos de adjudicação de uma obra privada ao construtor civil António. Tal conduta não cabe no âmbito dos poderes do cargo de fiscal de uma Câmara Municipal, nem sequer no âmbito dos seus poderes de facto, visto que a decisão para a atribuição de tais obras não podia deixar de pertencer ao privado, “dono da obra”. Assim, a conduta de Bernardo não lesa o bem jurídico autonomia intencional do Estado, dado que ele não transacciona ou mercantiliza as competências do cargo de fiscal da Câmara Municipal.
- Atentando agora no crime p. e p. no artigo 373.º, o bem jurídico tutelado é, à semelhança do crime analisado no § anterior, a autonomia intencional do Estado. Trata-se de um crime cujo círculo de autores possível também é específico, dado apenas poder ser praticado por funcionário, qualidade que, como se viu, Bernardo detinha. No crime previsto no n.º 1, a conduta do funcionário que o tipo descreve não é contrária ao deveres do cargo, o que significa que se está agora no âmbito das competências legalmente atribuídas ao funcionário ou, pelo menos, nas competências de facto que o cargo potencia. Ora, ao interceder junto de um privado, Carlos, para que ele adjudicasse uma obra a um construtor civil, António, Bernardo não actua, claramente, no âmbito de tais competências. Por esse motivo, a sua conduta não pode ser subsumida no n.º 1 do artigo 373.º. Quanto ao n.º 2 do mesmo preceito, há que ter presente que quem promete vantagem patrimonial a Bernardo, e a entrega posteriormente, é António, pelo que só ele poderia ser a outra “pessoa” a que se refere o tipo. Sucede que do enunciado da hipótese não resulta que António “tenha tido, tenha ou venha a ter qualquer pretensão dependente do exercício das [...] funções públicas” exercidas por Bernardo, o que igualmente inviabiliza a subsunção da sua conduta neste tipo.
- No caso do crime p. e p. no artigo 377.º, a descrição típica compreende duas modalidades, consoante haja ou não lesão de interesses patrimoniais, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 377.º, respectivamente[11]. Na hipótese em análise não se refere que tenha havido tal lesão, pelo que a primeira modalidade está definitivamente afastada. A segunda modalidade impõe que o funcionário, por qualquer forma, receba, para si ou para terceiro, vantagem patrimonial por efeito de acto jurídico-civil relativo a interesses de que tinha, por força das suas funções, no momento do acto, total ou parcialmente, a disposição, a administração ou fiscalização. Assim, para que o tipo-de-ilícito estivesse preenchido seria necessário que, além de vantagem patrimonial, que no caso seria a comissão de 3% percebida por Bernardo por efeito da celebração do contrato entre António e Carlos, aquele funcionário tivesse poderes de disposição, administração ou fiscalização dos interesses em causa. Da hipótese retiram-se tais poderes no domínio da fiscalização de obras privadas. Verifica-se assim uma infidelidade do agente ao cargo que exerce, na medida em que Bernardo não norteou a sua actuação em função do interesse público, como se lhe impunha, criando assim um dano para a imagem da administração, para o interesse público na sua transparência e legalidade[12]. Na verdade, Bernardo utilizou indevidamente as faculdades inerentes ao cargo para fins que, não só se encontram fora das respectivas atribuições legais, mas sobretudo assumem natureza particular ou privada[13]. Em suma, Bernardo valeu-se do seu cargo para conseguir vantagem patrimonial. Ante o exposto, a conduta do agente em referência é subsumível neste tipo.
- No que respeita ao crime p. e p. no artigo 379.º, o bem jurídico tutelado é duplo. Por um lado, a autonomia intencional do Estado, por outro, o património do particular e a sua liberdade[14]. Isto porque, como resulta da descrição do tipo, o funcionário, no exercício das suas funções, isto é, das suas competências legais, ou, pelo menos, dos seus poderes de facto, recebe vantagem patrimonial, criando para isso erro em um particular ou aproveitando-se do erro em que ele se encontra. Por isso é correcto afirmar que quer o Estado quer o particular são lesados com a conduta do funcionário. Na hipótese, não só o funcionário Bernardo não actuou no âmbito das suas competências legais, por não lhe caber decidir sobre a adjudicação de obras privadas, como não foi criado qualquer tipo de erro em um qualquer particular. Assim, a conduta de Berrnardo não é subsumível neste tipo.
- Quanto, por fim, ao crime p. e p. no artigo 382.º, cujo bem jurídico é a autoridade e credibilidade da administração do Estado[15], da sua descrição típica resulta que o funcionário abusa de poderes ou viola deveres inerentes às suas funções, com intenção de obter, para si ou para terceiro, benefício ilegítimo ou de causar prejuízo a outra pessoa. Salta à vista que Bernardo, mesmo sendo funcionário como o preceito exige, não podia abusar de poderes que, quanto às obras privadas, não detinha. É pacífico na doutrina que não pode haver crime de abuso de poder nos casos de incompetência absoluta[16]. Logo, a conduta de Bernardo não é subsumível neste tipo.
O exposto permite concluir que a conduta do agente Bernardo é subsumível no tipo de participação económica em negócio, nos termos do n.º 2 do artigo 377.º.

Pergunta n.º 2

A questão colocada prende-se com o princípio da legalidade, na sua exigência de lei prévia (artigo 29.º, n.º 1 CRP e artigos 1.º, n.º 1, e 2.º, n.º 1). Face ao enunciado da hipótese, a lei do momento da prática do facto, determinada de acordo com o critério unilateral da conduta (artigo 3.º), foi a lei aplicada no julgamento. Quando o agente cumpria a pena, entrou em vigor outra lei cuja medida legal da pena se apresenta menor do que aquela ao abrigo da qual ele foi julgado. Existe assim uma sucessão de leis penais. De acordo com o preceituado na Constituição (artigo 29.º, n.º 4) e no Código Penal (artigo 2.º, n.º 4), há que aplicar retroactivamente a lei penal de conteúdo mais favorável ao agente. Para isso, é necessário comparar a lei que vigora no momento da prática do facto com a(s) outra(s) que entrem em vigor em momento(s) posterior(es). Visto que a medida legal da pena foi reduzida, sendo esse o único elemento do tipo alterado, é óbvio que a nova lei contém o regime concretamente mais favorável ao agente, como o n.º 4 do artigo 2.º determina. Isto porque, determinando a medida concreta da pena à luz da lei em vigor no momento da prática do facto e apurando-a depois de acordo com a nova lei, e uma vez que a redução da medida legal da pena é o único elemento distinto, a medida concreta a que se chegaria seria necessariamente inferior com a lei nova.
Resta apurar se o agente pode efectivamente beneficiar da nova moldura penal. De acordo com a letra da segunda parte do n.º 4 do artigo 2.º, na redacção introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, nos casos em que tenha havido trânsito em julgado da sentença condenatória, a medida legal da pena constante da nova lei surge como limite máximo da pena que se pode cumprir quando se haja sido condenado por uma lei anterior que seja mais gravosa. Trata-se de uma solução que pretende obstar às críticas e mesmo às declarações de inconstitucionalidade de que a parte do preceito em estudo foi alvo no passado[17]. Todavia, foi adoptada uma solução que não permite a revisão da sentença com a consequente determinação de uma nova pena. Só quando a pena a que o agente foi condenado atingir o limite máximo da medida legal constante da nova lei é que cessa a execução da pena[18]. Caso a pena a que o agente tenha sido condenado não atinja tal limite, a sua sentença não será revista, o que na prática significa que a nova lei, ainda que mais favorável, não é aplicada. Visto que a pergunta não especificava as medidas legais da pena, nem a pena concreta a que Bernardo havia sido condenado, tudo isto deveria ser ponderado pelo Aluno que poderia, de qualquer modo, apreciar da bondade da solução legal exposta.
A segunda parte da pergunta prende-se com o princípio da legalidade, na sua decorrência exigência de lei escrita. O facto de ter sido o Governo a alterar a lei penal através de um Decreto-Lei não autorizado pela Assembleia da República (AR) põe em causa o princípio da representatividade política e de reserva de lei formal, já que a determinação da pena e a sua atenuação fazem parte, de acordo com o entendimento dominante, da reserva relativa de competência da AR, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º CRP[19]. Estar-se-ia, por isso, perante uma inconstitucionalidade orgânica. Resta apurar se a alteração legislativa pode, ainda assim, beneficiar o agente, dado conter um regime que lhe é concretamente mais favorável. Sobre isto existem entendimentos divergentes. De um lado, estão os que defendem a aplicação do novo diploma, mesmo que inconstitucional, por não se poder fazer impender sobre os cidadãos os erros que o poder legislativo cometa, visto que, a partir do momento em que entra em vigor uma norma penal de conteúdo mais favorável, o agente passa a ter a expectativa jurídica de lhe ser aplicada essa norma[20]. Do outro, estão aqueles que, sustentando que os Tribunais não podem aplicar diplomas inconstitucionais, como o artigo 204.º CRP determina, refutam o argumento de que a não aplicação do diploma mais favorável, ainda que inconstitucional, frustre as expectativas do arguido de lhe ser aplicada a norma penal de conteúdo mais favorável, por tal expectativa só poder existir quanto a diplomas que vigorem no momento da prática do facto, não por referência aos que sejam supervenientes. Sufragando a segunda linha de orientação, e porque os Tribunais têm, em primeiro lugar, de aplicar normas constitucionais, só depois se apurando qual a lei que contém um regime em concreto mais favorável ao agente[21], segue-se não poder Bernardo beneficiar da alteração legislativa sendo ela promovida por Decreto-Lei do Governo não autorizado.

Pergunta n.º 3

Nesta pergunta está em causa o âmbito espacial de aplicação da lei penal.
O crime praticado por Bernardo foi, de acordo com o enunciado da hipótese, o de homicídio (artigo 131.º). Porém, nem todos os elementos descritos no tipo se verificam. É evidente que Pierre não morreu, pelo que a forma do crime de homicídio em causa não pode ser a consumada, só a tentada (artigos 131.º e 22.º).
Neste contexto, haveria que começar por determinar o lugar da prática do facto (artigo 7.º). De acordo com a solução mista ou plurilateral vertida no n.º 1 do artigo 7.º, o lugar da conduta foi França e, não se verificando o resultado morte, não se poderia aplicar o princípio da territorialidade consagrado na alínea a) do artigo 4.º. Consequentemente estaria arredada a aplicabilidade da lei penal portuguesa. Todavia, tal conclusão seria precipitada. De facto, nos termos do n.º 2 do artigo 7.º em estudo, “[n]o caso de tentativa, o facto considera-se igualmente praticado no lugar em que, de acordo com a representação do agente, o resultado se deveria ter produzido”. Ora, Bernardo praticou actos de execução de um crime de homicídio ao armadilhar uma bomba e ao colocá-la no correio dirigida a Pierre. Não restam assim dúvidas de que se está perante uma tentativa. Depois, de acordo com a representação do agente, o resultado morte dever-se-ia ter produzido em Portugal, local de residência de Pierre e portanto país de destino da carta. Assim, o lugar da prática do facto foi Portugal, pelo que se aplica a lei penal portuguesa ao facto praticado por Bernardo, de acordo com o já referido princípio da territorialidade, vertido na alínea a) do artigo 4.º[22].

Grupo II

Tratando-se de uma questão de desenvolvimento, é dispensável a apresentação de uma resposta-padrão.
De qualquer modo, sugere-se o confronto com as explicações dadas na bibliografia recomendada a propósito da evolução histórica da teoria geral da infracção criminal.

[1] As indicações bibliográficas apresentadas em notas de rodapé visam apenas permitir aos interessados um aprofundamento do sentido das respostas apresentadas em texto.
[2] Quando outra indicação não resulte do texto, os artigos citados são do Código Penal (CP).
[3] Sobre o bem jurídico tutelado, cf. CARVALHO, Américo Taipa de, “Anotação ao artigo 153.º CP”, in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial (dirigido por Jorge de Figueiredo Dias), tomo I, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, (pp. 340-351), p. 342.
[4] Assim, cf. CARVALHO, Américo Taipa de, “Anotação ao artigo 154.º CP”, in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo I, cit., (pp. 352-369), pp. 353-354.
[5] Sobre isto, cf. CARVALHO, Américo Taipa de, “Anotação ao artigo 223.º CP”, in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial (dirigido por Jorge de Figueiredo Dias), tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, (pp. 338-361), p. 343.
[6] De resto, a extorsão é um crime de execução vinculada, o que significa que só pode ser cometido por um dos processos típicos taxativamente referidos na lei. Cf. CARVALHO, Américo Taipa de, “Anotação ao artigo 223.º CP”, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo II, cit., p. 344.
[7] Cf. COSTA, António Manuel de Almeida, “Anotação ao artigo 372.º CP”, in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial (dirigido por Jorge de Figueiredo Dias), tomo III, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, (pp. 654-676), pp. 660.
[8] A responsabilidade dos titulares de cargos políticas está prevista em lei especial, concretamente na Lei n.º 34/87, de 16 de Julho.
[9] Assim, CUNHA, J. M. Damião da, “Anotação ao artigo 386.º CP”, in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., (pp. 808-823), p. 813.
[10] Cf. COSTA, António Manuel de Almeida, “Anotação ao artigo 372.º CP”, Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., pp. 664-665.
[11] Sobre isto, cf. CUNHA, Conceição Ferreira da, “Comentário ao artigo 377.º CP”, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., (pp. 723-736) p. 727.
[12] Cf. CUNHA, Conceição Ferreira da, “Comentário ao artigo 377.º CP”, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., pp. 724-725.
[13] Ibidem.
[14] MONTEIRO, Cristina Líbano, Comentário ao artigo 379.º CP”, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., (pp. 749-763) pp.750-751.
[15] Sobre isto, FARIA, Paula Ribeiro de, “Comentário ao artigo 382.º CP”, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., (pp. 774-782) pp. 774-775.
[16] Cf. FARIA, Paula Ribeiro de, “Comentário ao artigo 382.º CP”, in Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial, tomo III, cit., pp. 775-776.
[17] Cf, por exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 677/98, de 2 de Dezembro.
[18] Para isso, nos termos do disposto no artigo 371.º-A do Código de Processo Penal, o condenado requer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.
[19] Cf, por exemplo, BRITO, José de Sousa e, “A lei penal na Constituição”, in Estudos sobre a Constituição (coordenação Jorge Miranda), vol. II, Lisboa: Livraria Petrony, 1978 (pp. 197-254), pp. 232 ss.; DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal – Parte Geral, Tomo I (Questões fundamentais – A doutrina geral do crime), 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007 (1.º ed., 2004), pp. 184-185.
[20] Neste sentido, CARVALHO, Américo Taipa de, Sucessão de leis penais, Coimbra: Coimbra Editora, 1997, pp. 347 ss.
[21] No sentido da segunda linha de orientação constante do texto, desenvolvidamente, PEREIRA, Rui Carlos, “A relevância da lei penal de conteúdo mais favorável ao arguido”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 1 (Janeiro-Março 1991), pp. 55-76.
[22] No mesmo sentido, a propósito de um caso semelhante, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal – Parte Geral, cit., p. 213.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Aparentemente, a Secretaria não lançou as vossas notas.
Foi-nos garantido que tudo seria regularizado até ao final do dia de hoje.

Cumprimentos,

Sónia Reis.
Bom dia,
Fui informada por um de vós de que há problemas com as notas de Direito Penal I.
As pautas entregues na Secretaria não têm quaisquer incorrecções. De qualquer modo, eu e o Senhor Prof. Doutor Paulo de Sousa Mendes vamos resolver a questão.
Os melhores cumprimentos,
Sónia Reis.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

3.º Grupo de Casos Práticos de Direito Penal I

Grupo II
Questões fundamentais a analisar[1]

Pergunta n.º 1

Nesta questão estava em causa um problema de interpretação. Colocava-se ainda um problema de concurso, que implicava a necessidade de se optar pelo concurso de normas ou pelo concurso de crimes, tendo como pano de fundo o respeito pelo princípio ne bis in idem, consagrado no n.º 5 do artigo 29.º da Constituição da República Portuguesa.
A conduta de António, ao usar a beca que a sua mãe lhe havia costurado para se mascarar no Carnaval anterior, fazendo-se passar por juiz, com essa intenção, é subsumível no tipo de crime de abuso de traje próprio de função do serviço público, p. e p. no n.º 1 do artigo 307.º. A beca é o traje privativo dos juízes, ou seja, de pessoas que exercem autoridade pública, enquanto titulares de órgãos de soberania[2]. Trata-se de um entendimento de Autoridade que não se limita às autoridades de polícia referidas na Lei de Segurança Interna, Lei n.º 20/87, de 12 de Junho (artigo 15.º). Assim, a conduta de António também se subsume no nº 2 do artigo 307.º.
Há um concurso aparente entre as normas constantes dos nºs 1 e 2 do artigo 307.º, resolvido através da regra da especialidade. Na verdade, n.º 2 do artigo 307.º é uma norma especial em relação ao n.º 1 do mesmo preceito, porque contém todos os elementos típicos que o integram, sendo, no entanto, individualizado pela circunstância de o sinal, designação ou traje ser privativo de pessoa que exerça autoridade pública. Deste modo, a norma especial prevalece sobre a norma geral.
A conduta de António pode também subsumir-se no crime de usurpação de funções, p. e p. na alínea a) do artigo 358.º, na medida em que António, sem para tal estar autorizado, exerceu funções de funcionário, arrogando-se expressamente essa qualidade. À luz da alínea a) do n.º 1 do artigo 386.º, no amplo conceito de funcionário civil, estão também abarcados os Magistrados Judiciais. Só assim se compreende que na alínea c) do mesmo preceito se abarque em tal conceito quem exerça, mesmo que provisória ou temporariamente, função jurisdicional[3]. Do mesmo modo, quando a alínea a) do n.º 3 do artigo 386.º se refere a Magistrados para efeitos dos artigos 372.º a 374.º, a propósito dos crimes de corrupção, está a equiparar a funcionários os Magistrados que exerçam funções no âmbito da União Europeia, independentemente da respectiva nacionalidade. Em suma: o artigo 386.º abarca no conceito de funcionários os juízes.
Quanto ao facto de se subsumir a conduta de António na alínea a) e não na alínea b) do artigo 358.º, tal deve-se à circunstância de a alínea b) se reportar, especificamente, ao chamado “exercício ilegal de profissão”, compreendendo a prática de actos “próprios”, “privativos”, “exclusivos” de uma profissão[4], enquanto a alínea a) do mesmo preceito assume um carácter mais abrangente.
Mais uma vez, por razões de ordem valorativa, deve afastar-se a possibilidade de concurso efectivo de crimes, porque o crime do artigo 307.º foi instrumental e acompanhante típico do crime dominante do artigo 358.º. Assim, há um concurso de normas entre o n.º 2 do artigo 307.º, e a alínea a) do artigo 358.º, resolvido por consunção, consumindo a usurpação de funções, enquanto crime principal, o abuso de traje (regra axiológica). Na verdade, o que António quer é presidir à audiência, exercer as funções de um juiz, sendo o uso da beca um meio de lograr atingir o seu objectivo.
Como o crime dominante de usurpação de funções é punido com uma pena mais grave que o crime dominado de abuso de traje (aquela é punida com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias, enquanto este último é sancionado com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias – regra quantitativa), a consunção diz-se pura, na medida em que prevalece o crime com um campo de valoração maior e com uma pena mais grave.
No que respeita ao crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. no artigo 369.º, nunca poderia o mesmo ter-se por verificado em relação a António, porque se trata de um crime específico, ou seja, de um crime que só pode ser praticado por quem detém determinadas qualidades, no caso, por quem seja funcionário, nos termos do artigo 386.º, com as funções especificadas no n.º 1 do citado preceito legal, e António não era funcionário com essas funções.
Já o crime de usurpação de funções pressupõe precisamente o contrário, isto é, que o agente não seja funcionário com as funções indevidamente exercidas, pelo que os artigos 358.º e 369.º estão em uma relação de alternatividade, no sentido de o mesmo comportamento, subjectivamente caracterizado, não poder subsumir-se, concomitantemente, em ambas as disposições legais citadas.
Em conclusão, António seria apenas punido pelo crime de usurpação de funções, p. e p. na alínea a) do artigo 358.º.

Pergunta n.º 2

Nesta questão está em causa o âmbito de aplicação espacial da lei penal.
O facto foi praticado no estrangeiro, concretamente em Espanha, por ser esse tanto o lugar da conduta como o da verificação do resultado (artigo 7.º).
Levantava-se por isso a questão de saber se a lei penal portuguesa podia ser aplicada a factos praticados fora do território nacional (artigo 5.º).
Por verificados os requisitos da alínea e) do n.º 1 do artigo 5.º que consagra o princípio da nacionalidade (personalidade activa), a lei penal portuguesa teria aplicação. Todavia, como António já havia sido julgado e condenado em Espanha, estar-se-ia perante uma potencial restrição à aplicação da lei penal portuguesa (artigo 6.º, n.º 1). Não obstante, uma vez que António se furtou ao cumprimento integral da pena a que havia sido condenado em Espanha, poderia ser julgado à luz da lei penal portuguesa, sendo necessário apurar se a lei penal espanhola era concretamente mais favorável ao agente (artigo 6.º, n.º 2), hipótese que, a verificar-se, levaria à aplicação de lei penal estrangeira por um tribunal português.Na ausência de elementos que permitissem determinar qual das leis penais era mais favorável, a resposta à pergunta seria no sentido de admitir a aplicação da lei penal portuguesa a António.

[1] Quando outra indicação não resulte do texto, os artigos citados são do Código Penal (CP).
[2] Neste sentido, cf. MONTEIRO, Cristina Líbano, “Anotação ao artigo 307.º CP” in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial (dirigido por Jorge de Figueiredo Dias), tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 1999, (pp. 1231-1242), p. 1237.
[3] Assim, CUNHA, J. M. Damião da, “Anotação ao artigo 386.º CP” in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial (dirigido por Jorge de Figueiredo Dias), tomo III, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, (pp. 808-823), pp. 814-815.
[4] Designadamente actos médicos. Sobre isto, cf. MONTEIRO, Cristina Líbano, “Anotação ao artigo 358.º CP” in AA.VV., Comentário Conimbricense do Código Penal – Parte Especial (dirigido por Jorge de Figueiredo Dias), tomo II, Coimbra: Coimbra Editora, 2001, (pp. 437-449), p. 446 ss.