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Turma Da Noite

terça-feira, 22 de maio de 2007

Hipótese Prática de um exame anterior - Subturma 3

Caros colegas,

Remetida pela Dra. Ana Luísa Maia, aqui fica uma hipótese retirada de um exame anterior de Teoria Geral do Direito Civil:


Em Agosto de 2000, António diz à sua colega Benedita: “Recebi deherança um Malhoa e um Vieira da Silva. Cada um avaliado em cerca de250.000€. Vendo-te um deles – aquele que quiseres.”Benedita responde: “Fico com o Malhoa. E, já agora, em vez dedinheiro, entrego-te o meu apartamento da Praia da Luz.” Ao que Antóniodiz: “Bom negócio! Combinado!”Passado 1 ano, em Agosto de 2001, António sugere a Benedita: “Onegócio do Malhoa está feito. De resto, as últimas férias já as passei nacasada Praia da Luz. Mas é de ficar preto no branco. Pelo que convém irmos aum notário. E, já agora, avaliemos o Malhoa em 100.000€, para que eupoupe algum em impostos.”Benedita, convictamente, responde: “É desnecessário ir ao notário (àluz do art. 219.º). Mas, se insistes, vamos. Em troca, por serdesnecessário, asdespesas, inclusive por deslocações, são todas tuas. E, indo, declaramos ovalor que te der jeito.”António remata: “Obrigado. Quanto às despesas, é justo.”Em Setembro de 2001, num cartório de Lisboa, a escritura é lavradanaqueles termos.Passados 5 anos, António é contactado por Carlos, coleccionador dearte que, julgando-o dono do Malhoa, lhe oferece 600.000€, informandoAntónio de que nos últimos 4 anos os Malhoas foram “descobertos” poralguns dos grandes coleccionadores de arte americanos, pelo que muito sevalorizaram.António vem, agora:- invocar a invalidade do contrato titulado pela escritura, peloocorrido acerca do valor do quadro (na medida em que o valor indicadoaquando desse acto notarial foi apenas de 100.000€). Pelo que ele, António,continua proprietário do Malhoa;- invocar a invalidade do contrato pelo erro verificado acerca daavaliação comercial do quadro (afinal, avaliado em 600.000€);- exigir a restituição do montante das despesas por deslocações deBenedita, atendendo a que, afinal, estava enganado quanto à desnecessidadeda escritura, segundo comentário feito por amigo jurista, em Setembro de2006.Benedita defende-se, afirmando que o contrato se formou aquando daconversa em Agosto de 2000.Ao que António vem retorquir sublinhando que, nessa ocasião, nãohouve qualquer proposta nem qualquer aceitação.Conclua, de forma fundamentada, acerca da procedência de cadauma das pretensões, comentando as afirmações de António (não podendoultrapassar 2 páginas. Cotação: 5 valores).O Malhoa é de Benedita. E António tem o direito à devolução da quantiaentregue pela deslocação de Benedita ao Cartório.Como se passa a demonstrar.Começando pelos factos ocorridos em Agosto de 2000. Houve umaproposta de venda de um dos referidos quadros. Há intenção inequívoca decontratar quer com a venda do Malhoa, quer com a venda do Vieira da Silva.Odito reveste a forma legal – art. 219.º. E é completa – do dito constam osvárioselementos que proporcionam condições para que mediante um simples “sim”esteja o negócio celebrado. Mas, tal proposta é recusada. Havendo, sim, umconvite a contratar – pois ao dito de Benedita falta a forma. A projectadatrocaexige forma escrita consubstanciada em escritura pública – pois, nela, umdosbens é imóvel (art. 80.º do Código do Notariado). Explicite-se: não setrata de 2doações: uma de um quadro para a qual bastaria a forma oral; outra de umimóvel, requerendo escritura. Há, sim, 1 negócio: o de troca.O convite é aceite. As negociações continuam. Mas nenhum contrato(explicite-se: contrato válido) é celebrado, pois não há escritura.Em suma: Benedita não tem razão ao afirmar que nessa ocasião se formoua troca; e António não a tem ao dizer que não houve proposta.Quanto ao contrato de troca celebrado em 2001. Trata-se de negóciocelebrado com simulação relativa. Acordando ambas as partes, para enganar oEstado credor de imposto, em declarar a troca de um prédio urbano por umquadro de valor inferior (100.000€) ao real, ambas as partes pretendem,sim,celebrar contrato de troca de bens de valor objectivamente equiparável.Sublinheseque aparentemente não há divergência pois a vontade declarada e a vontadereal versam sobre o Malhoa, a casa de praia e a troca. Acontece que,naquelecontexto, “Malhoa” não tem o significado múltiplo consistente em quadroavaliado em 100.000€ e em quadro avaliado em 250.000€. Refere-se, sim, aoquadro com esta última característica: estar avaliado em 250.000€. Sendotalvalor uma característica da coisa. E tanto era essa a vontade real quevalesse, ele,100.000€ e já Benedita não teria celebrado o contrato. Por outras palavras:aindaque quer a vontade real quer a vontade declarada usem os mesmossignificantespara se manifestarem, os significados atribuídos a tais significantes nãocoincidem entre a vontade real e a vontade declarada (compare-se com osexemplos clássicos de simulação de valor: diz-se que se compra por 100,comprando-se, sim, por 200 – casos em que a divergência é mais facilmenteconstatável, pois as próprias palavras reveladoras da vontade real e davontadedeclarada divergem). Conclui-se: há divergência. E essa divergência éintencional, visando enganar terceiro (o Estado). Retoma-se o que se disse:hánegócio simulado. E sob este há negócio de troca dissimulado. Ora, diz-noso art.241.º que a simulação não acarreta a invalidade deste negócio. Restandoaveriguar da validade do negócio à luz das restantes regras que o regulam.Ora,atendendo ao caso, nenhum vício existe. Justifica-se, a propósito, atenta aplausibilidade de se afirmar a nulidade por falta de forma – pois daescrituraconsta que a troca é feita por quadro de Malhoa que vale 100.000€, pelo queéatribuído esse valor à casa de praia. E não que ambos os bens têm o valorde250.000€ (pois, aquando da conversa em Agosto de 2000, a casa seriaentregueem vez dos 250.000€ esperados por António).Trata-se de facto que não impede a validade formal da troca, pois aescritura lavrada aproveita, nos termos do art. 238.º, ao negóciodissimulado que,assim, observa a forma exigida. Ou seja, aquela escritura veste com a formadevida as declarações de troca. De facto, como estabelece o art. 238.º, ossentidosreais – troca de bens de 250.000€ - não têm um mínimo de correspondência notexto (onde está 100.000 não se pode, manifestamente, retirar 250.000€…).Mas,de acordo com o disposto no n.º 2 desse artigo, tais sentidos são, aindaassim,imputáveis ao texto da escritura: pois correspondem (como consta doenunciado)à vontade real de António e de Bernardo; e nesses sentidos estãoconsubstanciadas as “razões determinantes da forma” exigida, com destaqueparaa razão publicidade proporcionada – basta ter em atenção que o que é levadoaregisto é o facto respeitante ao imóvel (com a sua identificação, a daspartes e acausa da transmissão), sendo desnecessária a referência ao valor do bempermutado. Conclui-se que a “escritura dos 100.000” assegura talpublicidade.Também a ponderação das partes está, grosso modo assegurada: o tempo deplanear a simulação é tempo em que se vai ponderando os valores reais;sendo demenor relevo a justificação prova.Conclui-se: o contrato é válido. O proprietário é Benedita.Relativamente à invalidade por erro quanto ao valor do quadro: não houveerro aquando da emissão da declaração de António. Pois, nesse momentoatribuiu250.000€ sendo o valor do quadro precisamente esse. Só posteriormente àcelebração do contrato – e à correspondente válida produção de efeitos – éque ovalor de mercado mudou. Assim, não há qualquer invalidade por erro.Finalmente, quanto à exigência da restituição do dinheiro das deslocaçõesde Benedita: a aceitação, por António, da proposta de suportação dasdespesas dadeslocação de Benedita é motivada por estar convencido erradamente de quetalida ao Cartório não é necessária. E, antes, já Benedita havia feito apropostaprecisamente com esse mesmo motivo. Verifica-se, assim, erro sobre motivosdadeclaração examinanda, bem como o acordo exigido pelo art. 252.º, n.º 1.Conclui-se: o contrato é anulável, não tendo ainda decorrido 1 ano após aeliminação do erro, nos termos do art. 287.º – ocorrida em Setembro de2006,aquando da conversa entre António e o amigo jurista.

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